Meu filho não come porque não gosta!

Meu filho não come porque não gosta!

“Meu filho não come porque não gosta!”

Como vítimas dessa afirmação, encontram-se escamoteadas as frutas, verduras e legumes. Mas, vamos voltar um pouquinho: por que essa afirmação é aceita, reafirmada e recorrente?

A habilidade do ser humano em perceber a ampla gama de sabores transmitidas por alimentos envolve a assimilação de múltiplos sentidos, principalmente olfato e paladar. Tais sentidos possuem característica adaptativa, funcionam ainda antes do nascimento e continuam a amadurecer durante toda a infância.

Genética e intrinsicamente apresentamos uma preferência inata pelos sabores doce e salgado e uma aversão irrefutável aos odores e sabores azedo e amargo – isso representa um mecanismo de defesa contra alimentos estragados ou contaminados. Entretanto, pelo fato de o paladar ser adaptável, são necessárias de sete a nove exposições a determinado alimento até que o corpo o reconheça e decida por aceita-lo bem ou não. Ou seja, a dificuldade de aceitação por parte dos pequenos é notória, mas o motivo pelo qual há resistência pouco tem a ver com o fator paladar; na maioria dos casos, a oferta e a persistência são limitadas. Como resultado, as crianças naturalmente irão preferir alimentos que são ricos em açúcar e sal em vez dos azedos, amargos e ácidos, como frutas e legumes. O que acaba acontecendo, confundindo e dito como decidido é quando as crianças fazem careta para a papinha de fruta, o que é absolutamente normal (lembre-se da primeira vez que você experimentou cerveja), mas sorriem com uma colherada de pudim. A questão é: como dizer que a criança não gosta de certo alimento se nem lhe é dada a oportunidade para conhece-lo? Ou ainda: como afirmar que a preferência por doces é individual, se sabemos que isso nos pertence em essência? O que é necessário é evitar ao máximo a exposição de alimentos açucarados para que a criança não desenvolva seu paladar reafirmado e fortalecido pelo açúcar; caso contrário, as consequências serão nada doces.

Embora essas preferências de sabor inerentes à espécie humana não sejam consistentes com um padrão de alimentação saudável, elas podem ser ajustadas a partir de experiências sensoriais com início pré-natal. As mães que consomem uma variedade de frutas, legumes e verduras ​​durante a gravidez e lactação, e, após o desmame, alimentam seus filhos com esses mesmos alimentos, certamente promoverão e fortalecerão hábitos alimentares saudáveis ​​na vida de seus filhos. Atualmente, com a crescente prevalência dos índices de obesidade infantil, faz-se fundamental nos empenharmos a fim de que as crianças criem hábitos alimentares saudáveis desde pequenas.

A educação nutricional é essencial e deve ser iniciada o quanto antes, de modo a garantir a formação de hábitos e comportamentos alimentares adequados que perdurarão ao longo da vida. Visando apresentar o alimento à criança, permiti-la explorá-lo e proporcionar essa vivência de saúde a partir dos alimentos, a culinária é uma estratégia de educação nutricional cada vez mais explorada e apresenta ótimos resultados. Devido ao cotidiano contrarrelógio, as crianças tendem a não participarem da preparação dos alimentos, tampouco prestarem atenção no que compõe seu prato e quais os benefícios (ou malefícios) de tal alimento que está sendo consumido. Além disso, no menu infantil de muitos restaurantes encontramos batata frita, molhos gordurosos e zero vegetais.

Tudo o que a criança vivencia e participa influencia na relação e sobre a aceitação daquilo que foi feito, visto e sentido. Isso vale para a alimentação. Quando a criança é envolvida na escolha, na aquisição, na organização, no preparo e no entendimento das refeições, incentivamos uma relação diferente com o alimento e aumentamos a vontade de experimentar – e a chance de gostar! A principal aposta para aproximar a garotada da alface é convidá-los a desvendarem as maravilhas da gastronomia – não como espectadores, mas sim como agentes da transformação do alimento. Desta forma, quando uma criança participa da elaboração de pratos, ela descobre, conhece, experimenta, aceita e aprova muitos alimentos que antes eram recusados, uma vez que foi ela mesma quem o preparou – momento no qual a educação sobre a alimentação ganha espaço; em um enredo criado, cada ingrediente traz consigo uma saborosa narrativa didática. E, o quanto antes isso for estimulado, melhor para a saúde da criança (e de toda a família).

O paladar é desenvolvido principalmente até os dois anos, idade até a qual é de extrema importância (e recomentado por órgãos de saúde mundialmente – confira aqui: https://atedoisdocenao.wordpress.com/) jamais oferecer doces e alimentos industrializados à criança. Portanto, desde o início da alimentação complementar a criança deve ouvir sobre o alimento e, apesar de acabar com feijão na testa e moranga no pé (e no chão, nas paredes…), a persistência na oferta de opções saudáveis deve sempre estar presente. Tudo precisa ser feito sem cobranças rígidas, de maneira lúdica e reforçando a importância da higiene, para que, desde cedo, o pequeno colabore na cozinha, seja alcançando produtos, misturando ingredientes, montando sua lancheira ou adicionando o ingrediente final mágico e secreto naquela comidinha deliciosa, trabalhando também sua autonomia e senso de cooperação.

Além de instigar o interesse dos pitocos por uma alimentação mais equilibrada, a experiência de colocar as mãos na massa também ajuda a lidar com lições que, mais cedo ou mais tarde, hão de passar: criatividade, paciência e reação a expectativas – que ingredientes podemos usar para deixar o prato mais colorido ou o preparo mais saudável?; será necessário esperar o biscoito assar e o frango esfriar; o bolo pode ter ficado diferente do da foto e a montagem do prato pode não sair como a do desenho, mas tudo bem, vamos aprender mais e tentar fazer sempre nosso melhor.

Portanto, eduque, cuide de saúde do pimpolho e divirtam-se, tudo ao mesmo tempo. Na infância, tato, olfato e paladar comandam a diversão e proporcionam descobertas ao lado de quem mais importa e mais amamos: a família!

Nutricionista Giovana Baldissera – CRN3 46333

Mestre em Ciências da Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica (UFCSPA)

Referências:

Forestell CA. The Development of Flavor Perception and Acceptance: The Roles of Nature and Nurture. Nestle Nutr Inst Workshop Ser. 2016; 85:135-43.

Frerichs L et al. Children’s Discourse of Liked, Healthy, and Unhealthy Foods. J Acad Nutr Diet. 2016 Mar; S2212-2672(16)00101-5.

Park BK, Cho MS. Taste education reduces food neophobia and increases willingness to try novel foods in school children. Nutr Res Pract. 2016 Apr; 10:221-8.

Pinheiro C. Criança na Cozinha. Rev. Saúde é Vital 2016 Mar; 46-49.

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Thaís Vilarinho

Mãe de dois meninos lindos Matheus e Thomás, Fonoaudióloga Clínica. Pratico corrida e Muay Thai. Adoro escrever, viajar, escutar música, ver um bom filme, sair e estar com a família e os amigos. Sou curiosa, adoro conhecer e aprender coisas novas.

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